Uma das primeiras condições do entendimento é a tentativa de definir o
objeto do qual estamos nos ocupando. Por isso, nosso estudo parte de uma
pergunta!
1. O que é filosofia?
A criação da palavra Filosofia é atribuída a Pitágoras de Samos, nascido
por volta do ano 496 a.C. Segundo o filosofo e matemático grego, a sabedoria
plena é reservada aos deuses, mas o homem pode desejá-la e amá-la,
tornando-se filósofo.
A palavra filosofia tem à sua origem duas palavras gregas: philo que
significa aquele que tem um sentimento amigável – que poderia ser também
traduzida por amigo – e sophia que pode ser traduzida por sabedoria. Sophia
deriva da palavra sophós que significa sábio.
Estes dados nos colocam no âmago da identidade da filosofia e do
filósofo. A filosofia é amizade, gosto, sentimento de simpatia pela sabedoria. O
filósofo é aquele que busca conhecer a realidade que o circunda não por um
sentimento de dever, mas pelo prazer de conhecer.
Quando Pitágoras nasceu, as Olimpíadas, já contavam com mais de um
século de realização na cidade de Olímpia – Grécia. O filósofo se inspira nas
diversas tipologias dos participantes para encontrar uma analogia que, no seu
modo de entender, ajude a definir quem é o filósofo. Ele identificava três tipos
participantes: os que aproveitavam a aglomeração de pessoas para
comercializar, buscando simplesmente satisfazer sua própria cobiça, sem se
importar pelas competições; os que iam para competir buscando sobressair
nas competições esportivas ou artísticas; os que iam para avaliar o
desempenho dos atletas e artistas. Este terceiro grupo Pitágoras o identificava
com o filósofo.
Segundo ele, o verdadeiro filósofo não é aquele que busca o saber por
motivos financeiros em vista de comercializar o seu produto, nem busca o
saber para competir e, portanto, tentar brilhar sobre os demais. Pelo
contrário, o filósofo tem uma relação de gratuidade com o saber da mesma
forma que uma relação de amizade também não tem interesses externos ao
prazer e ao valor intrínseco da própria relação amigável. O que move o
filósofo é o gosto pelo saber, o amor pela sabedoria. A verdade não é
propriedade de ninguém e, por ser algo que transcende a pessoa, está à
disposição de todos os que, por amá-la, tem a coragem de buscá-la.
A filosofia tem sua origem na convicção de alguns gregos de que a
verdade não pertence apenas aos deuses e aos escolhidos a quem as
divindades revelam seus mistérios. Sem negar, como dissemos, que a verdade
plena pertence aos deuses, estes gregos se deram conta que ela pode ser
buscada e conhecida pela própria razão humana e, através da linguagem, ser
transmitida e ensinada.
2. Origem da filosofia
Há um consenso em relacionar a origem da filosofia com a Grécia, e
mais propriamente, com as colônias gregas da Ásia Menor – particularmente
as que formavam uma região chamada Jônia- na cidade de Mileto, no final
século VII e início do século VI a.C. Há, porém, posicionamentos muito
diversificados em relação ao mérito a ser atribuído aos gregos. Pensadores
judaicos e cristãos, no século II e III d.C. colocavam forte acentuação sobre a
influência da cultura e sabedoria oriental na origem da filosofia. Esta teria
nascido como fruto das transformações que os gregos realizaram dos
conhecimentos adquiridos através do seu contato com as grandes civilizações
orientais.
No século XIX, diversos pensadores apresentaram uma leitura muito
diferente das origens da filosofia. Esta seria como que um “milagre grego”,
pois não seria possível identificar nada anterior que de certa forma a
preparasse. Por isso, consideram os gregos um povo excepcional, sem
comparação com nenhum outro povo, nem antes nem depois.
No final do século XIX e ao longo do século XX, porém, uma nova
interpretação busca corrigir os exageros e a unilateralidade das duas
anteriores. Reconhecem então a dívida dos gregos em relação às antigas
culturas orientais (egípcia, persa, babilônica, assíria e caldeia), conhecida
pelos gregos através de suas viagens. Tal influência se torna ainda mais forte
porque os dois poetas, que podem ser considerados os maiores contribuintes
na formação da cultura grega antiga, Homero e Hesíodo, se inspiraram
abundantemente nas religiões orientais ao elaborar a mitologia grega que
mais tarde seria transformada pela filosofia.
3. Traços da filosofia nascente
Ao afirmarmos que a filosofia tem sua origem na Grécia, não estamos
dizendo que outros povos, tão antigos quanto os gregos – como, por exemplo,
os chineses, Japoneses, hebreus, persas, indígenas da América e outros - não
sejam também detentores de um alto nível de cultura e sabedoria. Dizemos
apenas que há uma forma de pensar e de elaborar o próprio pensar que é
original e que se distingue por algumas características que lhe são próprias.
Alguns traços caracterizam a atividade filosófica nas suas origens:
a) A busca da racionalidade: os gregos foram os primeiros a definir o homem
como um ser racional e perceber que a racionalidade distingue o ser humano
dos demais. Sendo a condição de todo verdadeiro conhecimento, ela precisa
conhecer as leis, princípios de sua própria atividade.
b) Exigência de explicação racional: a filosofia nasce como recusa de
explicações previamente estabelecidas. Em outras palavras, nenhum
conhecimento é aceito como verdadeiro sem antes passar pelo crivo da
racionalidade. Desde seu início, portanto, a racionalidade se torna para a
filosofia o critério fundamental de todo o conhecimento. Diante dos sofistas
que pretendiam ser os grandes detentores do conhecimento, Sócrates usa o
método da ironia a fim de colocá-los em contradição e demonstrar que suas
explicações não resistiam à crítica racional.
c) Argumentação e debate: nenhuma resposta ou teoria era aceita sem antes
ter sido demonstrada. Através do método dialético, confrontavam-se as
diversas teses, colocando em evidências as contradições. A dialética tinha
como objetivo chegar ao conhecimento verdadeiro.
d) Capacidade de generalização: partindo da observação das realidades
concretas e individuais, eliminando suas diferenças e qualidades mutáveis,
chega-se ao que é estável: a natureza ou essência da coisa. Este conhecimento
pode então ser generalizado para todos os indivíduos que partilham daquela
mesma espécie.
e) Capacidade de diferenciação: uma análise atenta, em grande parte das
situações, permite perceber diferenças, muitas delas significativas, entre
coisas ou fenômenos que aparentemente são iguais.
4. Legado da filosofia grega
Uma breve lista de palavras gregas – ética, técnica, lógica, política,
anarquia, democracia, monarquia, semântica, diálogo, biologia, física, mito,
símbolo, alegoria – é suficiente para intuirmos a importância da filosofia
grega, nos mais diversos âmbitos, da cultura ocidental. Alguns elementos,
porém, merecem destaque.
A distinção estabelecida pela própria terminologia grega – kaos e
kosmos – indica a compreensão de que o mundo não se apresenta como uma
realidade caótica, isto é, sem ordem ou sem leis. A palavra kosmos com que se
denomina o universo indica a compreensão de que a natureza segue uma
ordem necessária. Esta compreensão é básica para o desenvolvimento
científico. A ciência busca conhecer estas leis para então poder prever
acontecimentos e possivelmente poder intervir de forma adequada. Para dar
um exemplo, foi esta compreensão grega de que a natureza é ordenada e suas
leis são universais que, no século XVII, inspirou Galileu Galilei a estabelecer a
lei da queda dos corpos.
Ligada a esta, está também a compreensão de que estas leis da natureza
não fazem parte de conhecimentos misteriosos ou secretos que para serem
conhecidos dependeriam de revelações divinas, mas que, pelo contrário, são
conhecimentos que a razão humana, por sua própria força, pode alcançar. Por
ser racional, nosso pensamento pode conhecer a racionalidade que existe na
natureza. É um conhecimento, portanto, que está disponível e ao alcance da
racionalidade humana.
O verdadeiro conhecimento consiste na descoberta das leis universais e
necessárias dos objetos. Tal conhecimento não pode ser imposto; deve, ao
invés, ser demonstrado através de provas e argumentos racionais. Nota-se
aqui uma compreensão democrática do conhecimento: ele não é privilégio de
alguns, nem pode ser imposto a ninguém, pois a capacidade de compreensão
da realidade é a mesma em todos os seres humanos. Ligado a isso está
também a compreensão do conhecimento só pode ser considerado verdadeiro
quando é capaz de explicar de forma racional o que é o ser, como ele é e por
que é.
A reflexão filosófica leva à compreensão de que o agir humano, nas suas
várias manifestações – ética, política, prática, artística – não depende de
forças secretas e misteriosas e sim da livre deliberação do próprio homem. O
homem e seu agir não estão, portanto a mercê de forças ocultas, mas pelo
contrário, no exercício de sua inteligência e vontade é o próprio ser humano
quem traça os rumos da própria existência.
Outro legado é a clara distinção dos três conceitos: necessário, acaso e
possível. Existem coisas que acontecem necessariamente, seja no universo,
seja na própria pessoa humana. Há uma lei necessária que faz com que o sol
nasça e se ponha a cada dia; analogamente há uma lei necessária que
determina o progressivo envelhecimento de cada ser vivo. Estas realidades
acontecem necessariamente, independentemente de nossa vontade. O acaso
também escapa da nossa vontade. Quando acontece uma casualidade
desagradável costumamos dizer que a pessoa estava no lugar errado na hora
errada. Embora escolho livremente de jogar na Mega Sena, não serei eu a
determinar quais dezenas serão sorteadas. Se o sorteio for feito de forma
honesta, tal decisão será confiada ao acaso. O possível, por sua vez,
representa aquilo sobre o qual posso livremente decidir e escolher. Estas
distinções nos permitem evitar uma visão fatalista da vida, onde tudo estaria
previamente estabelecido, portanto, ao homem não restaria outra opção que
conformar-se ao próprio destino. Ao mesmo tempo nos permitem evitar a
ingênua ilusão de que tudo é possível.
5. Mito e filosofia
Em primeiro lugar, buscaremos dar uma breve noção do que é mito,
para, em seguida, ver sua relação com a filosofia.
A palavra mito tem sua origem na palavra grega: mythos que deriva de
dois verbos: mytheyo que pode ser traduzido por contar, narrar e mytheo que
significa conversar, contar, anunciar. A credibilidade do mito não provém de
elementos internos, mas da autoridade daquele que o narra, a qual se deve ao
fato dele ter testemunhado diretamente o fato narrado ou ao menos ter
recebido a narrativa de alguém que testemunhou diretamente o fato. Quem
narra o mito é o poeta, escolhido dos deuses, que, em forma de revelação,
permitem que ele contemple a origem de todos os seres e, portanto, possam
narrá-la aos demais. Justamente por se tratar de uma revelação, o mito é uma
palavra sagrada e como tal incontestável e inquestionável. Desta forma é
conhecida, segundo a mitologia, a origem de tudo quanto existe: homens,
animais, os diversos elementos da natureza, bem como as ferramentas de
trabalho e os próprios acontecimentos da história da humanidade.
Segundo as narrativas míticas, tudo quanto existe provém das
divindades. Em primeiro lugar, são as relações sexuais entre as divindades
que dão origem a uma série de seres. Dessas relações são gerados, em
primeiro lugar os titãs – seres intermédios semi-humanos e semi divinos – em
seguida os heróis os quais são filhos de uma relação de um ser humano com
uma divindade e depois os seres humanos e os demais elementos da natureza
e sua qualidades como o quente e o frio, bem e mal, justo e injusto. Outra
forma através da qual os seres são gerados é a rivalidade e a aliança entre os
deuses. Guerras e alianças entre as divindades geram alguma coisa no mundo
dos homens. Um exemplo que pode ajudar a entender melhor é a
interpretação mítica, feita por Homero, na sua obra clássica Ilíada, da guerra
de Tróia. Ela foi provocada pelas deusas pela rivalidade e ciúmes entre as
deusas. Em terceiro lugar, segundo a mitologia, as coisas aparecem como
presentes ou como castigo dos deuses. Assim, por exemplo, o fogo foi um
presente de um titã, chamado Prometeu, o qual, por ser mais amigo dos
homens do que dos deuses, roubou uma chama do fogo divino e com ela
presenteou os homens. Por causa do malfeito, porém, não apenas o titã foi
castigado, mas também os homens. Para castigá-los, os deuses enviaram uma
deusa encantadora, chamada Pandora, que trazia uma caixa repleta de coisas
maravilhosas, mas que nunca deveria ser aberta. Mas, devido à sua
curiosidade, e no desejo de presentear os homens, a deusa abriu a caixa e
para surpresa de todos, dela saíram as maiores desgraças: guerras, doenças,
pestes e, sobretudo, a morte.
Tendo mostrado, embora de forma bastante rápida, de que coisa o mito
se ocupa e em que modo explica a existência de tudo quanto existe, podemos
fazer agora o passo seguinte o qual pode ser introduzindo através de algumas
perguntas: em que modo a filosofia se diferencia do mito? Pode-se dizer que,
desde as suas origens, a filosofia se apresenta como uma clara ruptura com o
mito, ou é mais adequado falar de um gradual distanciamento da filosofia
nascente em relação à mitologia?
Podemos dizer que, esta segunda pergunta recebeu duas respostas um
tanto diferentes. A primeira foi elaborada, no início do século XX, quando se
respirava um grande otimismo em relação às capacidades científicas e
tecnológicas do homem. Tal otimismo traz consigo a convicção que o homem,
através da ciência e da tecnologia poderá resolver sozinho os grandes
problemas da humanidade. Ficaria, portanto, definitivamente para traz
qualquer atitude que pudesse indicar uma dependência humana das forças
divinas. A mitologia seria algo primitivo, enquanto a ciência seria a marca da
autonomia do homem. Neste clima de otimismo, defende-se a idéia de que a
filosofia, desde o início, se apresentou como uma ruptura radical em relação
aos mitos. A filosofia seria, então, a primeira explicação cientifica da realidade
realizada pelo mundo ocidental. A segunda resposta se apresenta bem mais
moderada. Foi elaborada a partir de meados do século XX, quando estudos
antropológicos revelaram a importância dos mitos para a cultura e
consequentemente para a organização social de um povo. A partir desta
constatação, reconheceu-se que os gregos, como os demais povos,
acreditavam em seus mitos. A Filosofia nasce, então, não como uma ruptura
repentina com a mitologia, mas de forma lenta a partir da racionalização dos
mitos.
Hoje, já não se aceita nenhuma das duas respostas e se elabora uma
terceira teoria. A Filosofia, dando-se conta das limitações e contradições dos
mitos, realizou uma reformulação e uma racionalização dos mitos,
transformando-os em uma explicação nova e diferente.
Podemos dizer que são três as principais diferenças entre mito e
Filosofia. Em primeiro lugar, o mito tinha a pretensão de revelar como as
coisas eram num passado longínquo e fabuloso antes das delas serem assim
como são. A Filosofia, ao contrário, procura explicar como e por que as coisas
são na totalidade do tempo, isto é, passado, presente e futuro. Em segundo
lugar, o mito explicava a existência de tudo quanto existe, através da relação
entre os deuses. A Filosofia, ao contrário, procura explicar a origem das coisas
através de elementos naturais primordiais: água, fogo, terra e ar. A existência
das coisas, segundo a Filosofia, não se deve a forças divinas personificadas,
mas a elementos naturais dos quais decorrem os demais elementos e seres
que compõem a natureza. Em terceiro lugar, enquanto o mito não se preocupa
com as contradições, com o fabuloso e o incompreensível – lembremos que a
credibilidade do mito vinha da autoridade religiosa do narrador – a Filosofia
não admite contradições nem fabulações, mas, pelo contrário, ela exige que
toda e qualquer explicação seja coerente, lógica e racional. A sua
credibilidade provém de autoridades externas, mas da qualidade intrínseca da
própria teoria.
6. Do mito para a racionalidade filosófica
Como vimos acima, enquanto o mito busca explicar o todo da realidade –
as forças da natureza bem como os mais diversos acontecimentos que fazem
parte da vida humana e do universo como um todo – recorrendo a revelações e
ações divinas, a filosofia busca explicar tudo a partir da própria racionalidade.
Isto mostra que a filosofia introduz uma mudança substancial na forma de
abordar e de compreender tudo quanto existe. Vimos também que o
nascimento da filosofia acontece na Grécia. Poderíamos então nos perguntar:
a que se deve uma mudança assim tão significativa? Devemos isso
simplesmente à genialidade do povo grego do final do século VII e início do
século VI a.C. ou podemos identificar condições históricas que de uma forma
ou outra favoreceram o surgimento da filosofia?
As viagens marítimas possibilitaram aos gregos o acesso a determinados
lugares os quais, segundo os mitos, seriam habitados pelos deuses, titãs ou
heróis. Presentes aí, os gregos puderam perceber que na verdade eles eram
habitados por homens normais. De forma análoga, o conhecimento da região
dos mares, as quais as narrações míticas diziam estar povoadas de monstros e
seres fabulosos, mostrou que também lá não nem um nem outro. Esta
experiência produziu uma mudança significativa na forma de conceber a
realidade que poderíamos chamar de desmistificação. Quebra-se um
paradigma: as narrativas míticas já não satisfazem mais este homem que
deseja uma nova forma de conhecimento.
Um segundo fator que teve também uma importância significativa foi a
invenção do calendário que possibilitou medir o tempo e estabelecer as
estações. Passou-se a perceber, então, que as estações se repetem com suas
características próprias trazendo mais ou menos chuvas, frio ou calor. Aqui
percebemos outro passo de desmistificação da natureza, ou seja, a
constatação de que os fenômenos da natureza não são produzidos por forças
divinas, mas por leis naturais. Esta constatação instiga curiosidade e a
observação.
Um terceiro fator que contribuiu para o surgimento da filosofia foi a
invenção da moeda. O leitor poderia se perguntar: mas em que modo algo que
interessa à economia pode ter uma incidência no desenvolvimento da filosofia
que é um pensamento abstrato. A resposta não é tão difícil. Antes da moeda,
os produtos eram trocados por outros produtos do mesmo valor. Tratava-se,
portanto de uma relação concreta. Na troca do produto pela moeda, temos a
troca de algo que tem um valor concreto (produto) por algo que tem um valor
convencional (moeda). A invenção da moeda representa, portanto, uma
passagem do concreto para o abstrato, o que é próprio do pensamento
filosófico que do concreto busca formar o conceito e dos indivíduos procura
compreender a natureza.
O quarto fator está relacionado ao surgimento do comércio. O
crescimento desta nova classe social – os comerciantes – foi gradualmente
competindo no prestígio com as famílias aristocráticas, proprietárias das
terras, por quem e para quem haviam sido criados os mitos. Esta nova classe,
além do fortalecimento econômico, precisava encontrar outras formas de
poder e prestígio que lhes possibilitasse competir com o poder e o prestígio
que tinham as famílias aristocráticas devido à sua linhagem de sangue e às
suas importantes propriedades agrícolas. Tal prestigio foi buscado através do
patrocínio e incentivo às artes, às técnicas e ao conhecimento. Tudo isso cria
um clima favorável ao surgimento da filosofia.
Um quinto fator importante para o nascimento da filosofia é a
descoberta da escrita alfabética, a qual, ao lado do calendário e da moeda,
favorece o desenvolvimento da capacidade de abstração, enquanto não é mais
usada uma imagem da coisa que está sendo dita, mas simplesmente um signo
abstrato – palavra – que mantém uma relação puramente convencional e,
portanto, abstrata com a realidade que está sendo dita por ela. A escrita
alfabética representa uma mudança muito significativa em direção à
abstração. Enquanto nas outras escritas, para cada coisa necessitava-se de
uma imagem, na escrita alfabética as mesmas letras podem ser combinadas
de formas diversas, formando assim palavras diversas. Além disso, as palavras
também podem ser combinadas de diversas formas, expressando assim
diferentes idéias ou então as mesmas idéias, expressas, porém, com
formulações diversas.
Um sexto fator é a própria criação da política e a experiência
democrática da polis grega. A experiência da lei que regula a vida da polis
servirá de inspiração para a filosofia intuir o aspecto ordenado e regulado do
mundo. A partir desta experiência, a filosofia passará a perceber a realidade
como racional, isto é, passará a perceber que o mundo tem leis que o regem.
A realidade não é caótica, mas racional. Em segundo lugar, o espaço
democrático que o cidadão grego encontra, lhe permite empreender um novo
tipo de discurso diferente das narrações míticas. Nestas, uma revelação divina
comunicava aos homens as decisões dos deuses; aos homens cabia apenas
compreender e obedecer. Na polis grega, ao invés, experimenta-se a palavra
como direito de cada cidadão de expressar suas opiniões, discuti-las com os
demais, tentando persuadi-los a tomar certas decisões. Não é mais uma
palavra sagrada que deve necessariamente ser obedecida, mas uma palavra
humana que deverá mostrar sua importância pelas leis internas do discurso.
Na medida em que a política valoriza o pensamento humano, o argumento e a
persuasão, cria condições muito favoráveis para o surgimento do discurso
filosófico. O fato de que o discurso político não se fundamenta em revelações
sagradas reservadas a alguns privilegiados, mas no discurso racional que
pode ser feito e compreendido por todos motiva cada cidadão a aprender a
arte de expressar e defender suas idéias com argumentos racionais. Tudo isso
vai criando uma situação muito favorável para o surgimento da filosofia.