BRASÍLIA - Pesquisa inédita publicada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) mostra que 15% dos jovens de 18 a a 35 anos que frequentam as academias de Salvador consomem anabolizantes. Entre os homens esse número sobe para 21%. E, independentemente da classe social e do nível de escolaridade, eles consomem os produtos conscientes do mal que os mesmos fazem para saúde. A constatação foi feita por três pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) que, motivados por diversos casos de jovens que entraram em coma ou morreram depois de injetarem anabolizantes, matricularem-se incólumes em academias da capital baiana para estudarem o comportamento dos alunos de academias com esse perfil.
– É impressionante. Até estudantes de medicina e nutrição fazem uso de complexos vitamínicos para animais – relata um dos autores do estudo, Jorge Alberto Iriat.
A pesquisa foi dividida em duas partes: uma qualitativa, que durou oito meses e observou 43 usuários de anabolizantes em três academias específicas; e uma quantitativa, que entrevistou 1.200 alunos de 36 academias de Salvador.
Os usuários de anabolizantes praticantes de musculação em academias de bairros de classe média alta possuem alta escolaridade. E, entre os usuários das academias de bairros mais populares, o grande consumo em dose muito elevadas de produtos veterinários chamou a atenção dos pesquisadores.
Nas academias mais populares, boa parte dos alunos disse que o investimento no corpo é quesito fundamental por colocação no mercado de trabalho. “Muitos dos praticantes de musculação nas academias populares trabalham ou fazem bicos como segurança, sendo essa ocupação, em contexto com o forte desemprego, a principal opção para a inserção no mercado de trabalho”, diz o estudo. Ainda nas academias mais populares constatou-se a presença de alunos que malham por segurança. Ou seja, querem “construir um corpo enorme que imponha respeito ao simples olhar”.
Nessas academias, os pesquisadores presenciaram alunos aplicando anabolizantes uns nos outros e perceberam que as lixeiras desses locais são repletas de seringas usadas para esse fim, sem nenhuma repreensão por parte dos proprietários. Um dos professores entrevistados afirmou que faz uso de anabolizantes para ficar com um corpo forte e conseguir mais alunos para dar aulas particulares.
Perigo
Arritmia cardíaca, trombose e infarto do miocárdio são apenas alguns dos efeitos colaterais do uso inadequado de anabolizantes, que também alteram a estrutura e as funções do fígado, podendo acarretar hepatite. Na mulheres e adolescentes, mesmo por um curto período, pode ocasionar efeitos colaterais irreversíveis. Nas mulheres esses efeitos colaterais incluem alterações na menstruação, engrossamento da voz, encolhimento dos seios e crescimento de cabelos no corpo, entre outros.
– O uso desenfreado de anabolizantes é um problema grave de saúde pública – afirma Marcelo Regazzini, cardiologista da Associação Médica Brasileira (AMB).
– São altos os níveis de morbidade e mortalidade. O esquema de contrabando desses anabolizantes é mais esquematizado que o tráfico internacional de drogas.
Segundo o médico, além dos males físicos, os anabolizantes podem ser uma porta de entrada para outras drogas ilícitas, porque quem os consomem geralmente tem contatos para conseguir o produto com pessoas que exercem atividades ilícitas, como o tráfico de drogas.
Regazzini ressalta também o vício psíquico desenvolvido pelos anabolizantes. Como desenvolvem rapidamente um físico bonito, esses jovens tornam-se dependentes dessa constante beleza estética.
Campanhas educativas
Para o cardiologista, o Brasil deveria desenvolver políticas públicas para afastar os jovens desses medicamentos que devem ser usados para fim teraupêuticos por pacientes de câncer e portadores de HIV, por exemplo. Além de campanhas informativas nas escolas e academias, ele acredita que atletas que competem em qualquer modalidade esportiva deveriam passar por exames antidoping. Não apenas os competidores da atividades olímpicas, como ocorre atualmente.
O médico cita os Estados Unidos como exemplo de um país que conseguiu diminuir o consumo de anabolizantes entre os jovens:
– Nos Estados Unidos, 40% dos jovens em idade escolar consumiam anabolizantes. Com a aplicação de testes antidoping nas atividades físicas realizadas nas escolas e fiscalização, caiu muito o consumo.
Tanto Regazzini quanto Iriart destacam que a falta de fiscalização adequada facilita o acesso a esses produtos no Brasil.