Por Gisele Truzzi (siga-a no Twitter)
Com o uso crescente das tecnologias, aumenta na mesma proporção o número de indivíduos cada vez mais “conectados”.
Um dos reflexos dessa inclusão digital em nosso país é a grande participação dos brasileiros nas redes sociais[1]. Pesquisa realizada pelo Ibope Nielsen Online[2] constatou que as redes sociais congregam cerca de 29 milhões de brasileiros por mês, e que para a cada quatro minutos na rede, os brasileiros dedicam um a atualizar seu perfil e bisbilhotar os amigos.
Mas qual será o impacto da utilização exacerbada da Internet para o contato social?
Temos que ter em mente que os sites de relacionamento, assim como qualquer outra tecnologia, são neutros, e seu uso pode ser positivo. Tudo depende da maneira como são utilizados.
Robert Weiss, sociólogo americano, afirma que existem dois tipos de solidão: a emocional e a social. Ele define a solidão emocional como o “sentimento de vazio e inquietação causado pela falta de relacionamentos profundos”; e a social como sendo o “sentimento de tédio e marginalidade causado pela falta de amizades ou de um sentimento de pertencer a uma comunidade”.
Com base nessas definições, estudos demonstram que as redes sociais podem aplacar um pouco da solidão social, mas aumentam significativamente a solidão emocional. É como sentir-se solitário em meio a uma multidão. (E atualmente, a multidão é cada vez mais virtual…).
Através destas pesquisas e verificando-se o comportamento dos internautas, vemos que as amizades são cada vez mais numerosas, porém, mais superficiais. E a quantidade de laços fortes, cada vez menor.
Sendo assim, constatamos que a Internet propicia o contato social, porém, pode piorar a qualidade dos relacionamentos, e gerar impactos psicossociais, dentre os quais destacamos neste artigo: Cyberbullying e Cyberstalking, que serão definidos oportunamente.
O novo vício da sociedade moderna: a dependência tecnológica
O advento da Internet proporcionou novas e rápidas formas de contato: chats, emails, comunicadores instantâneos, redes sociais, blogs, etc. Nesses espaços virtuais, os indivíduos compartilham suas experiências, seu cotidiano, além de criarem “personagens”, provavelmente um alter-ego do que gostariam de ser.
Segundo a psicóloga norte-americana Kimberly Young, as vivências experimentadas nestes ambientes eletrônicos podem favorecer uma espécie de vício, ao provocarem sensações satisfatórias que competiriam com o nosso “mundo real”.[3]
Baseado neste cenário surgiu o conceito de dependência da Internet, passível de ocorrer em qualquer camada sócio-econômica.
De acordo com dados reportados no artigo “Os riscos do excesso de exposição ao mundo virtual”[4], de Dora Sampaio Góes e Cristiano Nabuco de Abreu, 10% da população atual de internautas já desenvolveu dependência.
Mais uma vez, o Brasil é destaque: de acordo com o referido artigo, o número de acessos e “o tempo gasto pela população brasileira colocam-nos no primeiro lugar do mundo no item conexão doméstica, à frente inclusive dos americanos e japoneses.”
Alguns conservadores diriam que o problema são as novas tecnologias, argumento frágil que é demovido ao observamos os traços de personalidade, que levam o indivíduo a perder o controle. Verificamos que os impactos psicossociais relacionados ao uso excessivo da Internet vinculam-se muito mais às dificuldades nas relações interpessoais, à diminuição das atividades sociais e à solidão do que propriamente ao uso do computador.
Dora S. Góes e Cristiano N. Abreu, no citado artigo elencam os critérios que caracterizam a dependência tecnológica:
ü Preocupação excessiva com a Internet;
ü Necessidade de passar cada vez mais tempo conectado para obter o mesmo nível de satisfação;
ü Esforços fracassados na tentativa de diminuir o tempo de uso da Internet ou de um aparelho eletrônico;
ü Irritabilidade e/ou depressão;
ü Instabilidade emocional ao ter o uso da Internet ou da tecnologia restringido;
ü Permanência online por mais tempo do que o planejado;
ü Prejuízos nas relações sociais, familiares, escolares e profissionais;
ü Mentiras ou omissões a respeito da quantidade de horas gastas com o computador.
Por acabarem trocando sua “vida real” pela “vida digital”, muitas pessoas acabam se tornando vítimas ou agentes de perseguições virtuais (Cyberstalking), ou de ofensas e chacotas virtuais (Cyberbullying).
Cyberstalking
O termo Cyberstalking vem do inglês stalk, que significa “caçada”, e consiste no uso das ferramentas tecnológicas com intuito de perseguir ou ameaçar uma pessoa. É a versão virtual do stalking, comportamento que envolve perseguição ou ameaças contra uma pessoa, de modo repetitivo, manifestadas através de: seguir a vítima em seus trajetos, aparecer repentinamente em seu local de trabalho ou em sua casa, efetuar ligações telefônicas inconvenientes, deixar mensagens ou objetos pelos locais onde a vítima circula, e até mesmo invadir sua propriedade.
O stalker, indivíduo que pratica esta perseguição, mostra-se onipresente na vida da sua vítima, dando demonstrações de que exerce controle sobre esta.
O Cyberstalking já era assunto de preocupação do Governo Americano em 1999, época em que surgiram vários estudos sobre o tema, já anunciando os métodos de abordagem dos cyberstalkers, suas motivações e danos psicossociais causados às vítimas. Nota-se que nesta época já havia americanos com dependência tecnológica e vítimas de cyberstalking¸ temas que tornaram-se comuns no Brasil por volta de 2008/2009.
De acordo com relatório detalhado do Departamento de Justiça Americano[5], o cyberstalking se dá através de diversas formas: envio constante de mensagens através de redes sociais e fóruns online, emails, SMS[6], entre outros; sendo que a maoria dos stalkers (sejam “online” ou “offline”), são motivados pelo desejo de exercer controle sobre suas vítimas e alterarem seu comportamento.
No Cyberstalking há uma certa “violência psicológica”, violência esta que é muito sutil: a linha que separa uma amizade, um elogio ou demonstração de carinho é muito tênue.
Acredito que você já tenha passado por isto ou conheça alguém que enfrentou situação semelhante: um indivíduo sempre está visitando seu perfil em uma rede social, deixa recados diários ou envia emails com freqüência, encaminha mensagens regularmente desejando uma boa noite, por exemplo, insiste em fazer parte de seu círculo social (caso já não o faça), sabe de detalhes de sua vida, sem que sequer você tenha expressado isso, encontra-o em comunidades virtuais e fóruns online que você sequer imaginaria que ele pudesse estar “rondando” por ali… Resumindo: você é “perseguido virtualmente” e isso o incomoda.
Sem dúvida, o relativo anonimato propiciado pela Internet encoraja os cyberstalkers, que podem manter certa distância física da sua vítima, tendo a falsa impressão de que estão protegidos por uma tela de computador.
O desconforto, o abalo psicológico causados por esta perseguição virtual acabam por gerar sentimentos angustiantes na vítima, que muitas vezes não sabe quais medidas tomar.
Nesse ponto, cabe lembrar que dependendo do teor do cyberstalking, este pode caracterizar crime de ameaça, previsto no artigo 147 do nosso Código Penal[7] ou contravenção penal, descrito pelo artigo 65 da Lei das Contravenções Penais[8] pelo simples fato de perturbar a tranqüilidade alheia.
Cabe à vítima analisar se aquele seu “fã” está passando dos limites e interferindo em sua rotina ou abalando sua psique.
De todo o modo, não subestime esta prática:
“Make no mistake: this kind of harrassment can be as frightening and as real as being followed and watched in your neighborhood or in your home.”
(Não se engane: este tipo de perseguição pode ser tão assustadora e real quanto ser seguido e observado pela sua vizinhança dentro de sua própria casa.
(Al Gore, 45º Vice-Presidente dos Estados Unidos, em “1999 Report on Cyberstalking: a new challenge for Law Enforcement and Industry – A report from the Attorney General to the Vice President”[9].)
Cyberbullying
O termo cyberbullying originou-se da expressão bullying, que é considerado “todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo, que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio entre as partes envolvidas.”[10]
O bullying é caracterizado por imposição de apelidos, práticas de agressões físicas, ameaças, roubos, ofensas verbais, expressões e gestos que geram mal estar às vítimas (também chamadas de “alvos”); bem como atitudes de indiferença, isolamento, difamação e negação aos desejos.[11]
O Cyberbullying é o bullying praticado através dos meios eletrônicos: trata-se do uso da tecnologia da informação e comunicação (emails, celulares, SMS, fotos publicadas na Internet, sites difamatórios, publicação de mensagens ofensivas ou difamatórias em ambientes online, etc) como recurso para a prática de comportamentos hostis e reiterados contra um grupo ou um indivíduo.
O Cyberbullying pode ser evidenciado pelo uso de instrumentos da web, tais como redes sociais e comunicadores instantâneos, para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de gerar constrangimentos psicossociais à vítima.
Assim como o Cyberstalking, o Cyberbulyling é intensificado pelo uso da Internet, principalmente pelas crianças e adolescentes, que são os principais alvos e agentes dessa prática.
Conforme dados informados no artigo do médico pediatra Aramis Lopes Neto[12], o bullying é mais freqüente entre os menores com idades entre 11 e 13 anos. Ele também aponta que:
“Nos casos em que alunos armados invadiram as escolas e atiraram contra colegas e professores, cerca de dois terços desses jovens eram vítimas de bullying e recorrem às armas para combater o poder que os sucumbia. As agressões não tiveram alvos específicos, sugerindo que o desejo era “matar a escola”, local onde diariamente todos os viam sofrer e nada faziam para protegê-los.”[13]
Consequentemente, o Cyberbullying segue a mesma estatística.
Conforme já mencionado, a maior incidência do Cyberbullying ocorre entre menores de idade em fase escolar. Há diversos casos em que os autores de Cyberbullying praticam suas ofensas contra um colega de escola, contra a própria instituição de ensino que freqüentam ou contra um professor.
Independentemente do alvo desta “chacota virtual”, é evidente que isto gera danos à imagem da vítima ou à marca da instituição atacada, o que pode ensejar uma eventual ação de indenização por danos morais contra o ofensor[14].
As atitudes do autor de Cyberbullying eventualmente configuram alguns ilícitos, tais como: crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria)[15], crime de ameaça ou outro delitos que vierem a ser constatados pelo resultado que produzirem.
Sendo os autores do Cyberbullying menores de idade, estes praticarão atos infracionais e não crimes, por estarem submetidos ao E.C.A. – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8069/90)[16], e portanto, aqueles que terão que arcar com os prejuízos causados serão os pais ou responsáveis legais.[17]
O que fazer se constatada a prática de Cyberstalking ou de Cyberbullying?
ü Armazenar sempre as provas eletrônicas (emails, SMS, fotos, recados deixados em redes sociais, publicações feitas em sites), mantendo sua integridade. Vale arquivar as capturas de tela dessas provas (“print-screen”), manter os emails originais e se necessário, dirigir-se até um Cartório de Notas a fim de lavrar uma Ata Notarial do conteúdo difamatório;
ü Registrar um Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia mais próxima;
ü Busca acompanhamento psicológico, se necessário;
ü Procurar um advogado, para verificar a necessidade de medidas extrajudiciais ou judiciais (notificação extrajudicial, representação criminal, instauração de inquérito policial, ação de indenização por danos morais e materiais, etc.)
ü Nunca revidar às agressões. Lembre-se: “não faça justiça com o próprio mouse!”.
Gisele Truzzi
Advogada associada a “Patricia Peck Pinheiro Advogados”;
Especialista em Direito Digital e Direito Criminal.
BIBLIOGRAFIA:
1999 Report on Cyberstalking: a new challenge for Law Enforcement and Industry – A report from the Attorney General to the Vice President, disponível em http://www.cybercrime.gov/cyberstalking.htm
Acesso em 21/11/2009.
ABREU, Cristiano Nabuco de. GÓES, Dora Sampaio. Os riscos do excesso de exposição ao mundo virtual. Revista Pátio, ano XIII, nº 51, ago/out. 2009;
Código Civil Brasileiro;
Código Penal Brasileiro;
Decreto-Lei nº 3688/41 (Lei das Contravenções Penais);
Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nª 8069/90.
LOPES NETO, Aramis A. Bullying – comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, vol. 81, nº 05, 2005.
NETO, Aramis A. SAAVEDRA Lúcia H. Diga não ao bullying. Rio de Janeiro, ABRAPIA, 2004.
PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. São Paulo, 2009;
Projeto de Lei nº 5369/09, que visa instituir o Programa Nacional de Combate ao Bullying;
Revista VEJA, 08/07/2009. Ed. Abril, São Paulo;
YOUNG, Kimberly. Caught in the net: how to recognize the signs of Internet addiction – and a winning strategy for recovery. Nova York, Wiley and Sons, 1998;
www.diganaoaobullying.com.br – Acesso em 21/11/2009;
www.wiredsafety.org/cyberstalking_harassment/index.html.
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[1] Também chamadas de sites de relacionamento, as redes sociais virtuais propiciam aos seus usuários a criação de um perfil, montagem de uma lista de contatos, participação em comunidades online, o que possibilita manter contato instantâneo com os “amigos virtuais”.
[2] “Sozinhos.com”, matéria publicada na Revista VEJA em 08/07/2009. Ed. Abril, São Paulo.
[3] YOUNG, Kimberly. Caught in the net: how to recognize the signs of Internet addiction – and a winning strategy for recovery. Nova York, Wiley and Sons, 1998.
[4] ABREU, Cristiano Nabuco de. GÓES, Dora Sampaio. Os riscos do excesso de exposição ao mundo virtual. Revista Pátio, ano XIII, nº 51, ago/out. 2009.
[5] 1999 Report on Cyberstalking: a new challenge for Law Enforcement and Industry – A report from the Attorney General to the Vice President. Disponível em http://www.cybercrime.gov/cyberstalking.htm. Acesso em 21/11/2009.
[6]Short Message Service: tecnologia amplamente utilizada em telefonia celular para a transmissão de textos curtos. Diferente do MMS, permite apenas dados do tipo texto e cada mensagem é limitada em 160 caracteres alfanuméricos. (PINHEIRO, Patricia Peck. Direito Digital. São Paulo, 2009).
[7] Código Penal, Art. 147:
Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
[8] Decreto-Lei nº 3688/41 (Lei das Contravenções Penais):
Art. 65. Molestar alguem ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável:
Pena – prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa (…).
[9] Ob. Cit.
[10] Projeto de Lei nº 5369/09, de autoria do Deputado Vieira da Cunha. Conforme art. 1º deste projeto de lei, seu objetivo é instituir o Programa de Combate ao Bullying em todo o território nacional, vinculado ao Ministério da Educação.
[11] LOPES NETO, Aramis A. Bullying – comportamento agressivo entre estudantes. Jornal de Pediatria, vol. 81, nº 05, 2005.
[12] Ob.cit.
[13] NETO, Aramis A. SAAVEDRA Lúcia H. Diga não ao bullying. Rio de Janeiro, ABRAPIA, 2004.
[14] “DANOS MORAIS – Indenização – Criação de comunidade por ex-aluno contendo ofensas e
injúria a colégio em sitio de relacionamentos “Orkut” – Comprovada conduta ilícita –(…) Sanção regularmente aplicada – Sentença mantida (…). (TJ/SP, Relator Elcio Trujillo, Apelação nº. 578.863-4/3-00,7ª Cam. Cível, j. 18/02/2009).
“Indenizatória. Danos morais. Comunidade virtual. Divulgação, por menores, de mensagens depreciativas em relação a professor. Identificação. Linguagem chula e de baixo calão. Ameaças. Ilícito configurado. Ato infracional apurado. Cumprimento de medida sócioeducativa. Responsabilidade dos pais. Negligência ao dever legal de vigilância. Os danos morais causados por divulgação, em comunidade virtual (orkut) de mensagens depreciativas, denegrindo a imagem de professor (identificado por nome), mediante linguagem chula e de baixo calão, e com ameaças de depredação a seu patrimônio, devem ser ressarcidos. Incumbe aos pais, por dever legal de vigilância, a responsabilidade pelos ilícitos cometidos por filhos incapazes sob sua guarda.” (TJ/RO, Des. Rel. Edenir Sebastião Albuquerque da Rosa, 2ª Câmara Cível. Apelação nº. 100.007.2006.011349-2. Julgamento em 20/08/2008).”
[15] Calúnia – art. 138, Código Penal:
Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:
Pena – detenção, de seis (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
Difamação – art. 139, Código Penal:
Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Injúria – art. 140, Código Penal:
Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
[16] Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei nª 8069/90:
Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
[17] Código Civil:
Art. 1630 – Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.